Isto era para ser uma resenha sobre Uncharted 4, mas acabei fugindo do assunto, como sempre faço. Talvez isso seja o que faço de melhor: fugir dos assuntos e viajar para algum país distante dentro de minha mente…
Parece que grande parte dos jogos de ação – especialmente aqueles com gigantescos orçamentos e gráficos de tirar o fôlego – encontram inspiração naqueles filmes blockbusters que alcançam altas bilheterias no cinema. Consequentemente, eles são inspirados na Jornada do Herói, explicada naquele consagrado livro O Herói de Mil Faces de Joseph Campbell. Tudo bem com isso, tudo bem com jogos inspirados pelo complexo estilo de Hollywood… mas parece que muitos desenvolvedores acabam se esquecendo que existem outros gêneros e fórmulas aí fora igualmente interessantes e que arrecadam tanto quanto: Drama, Romance, histórias sobre pessoas que interagem ou superam menores desafios que não envolvem salvar o mundo.
Isto não significa que o jogo precisa ser mais um “walking simulator” indie que se utilize do fator empatia para torná-lo mais íntimo e que o jogador tenha até mesmo uma identificação com os personagens e reviravoltas ocorridas ali. Não há poderes ou um soldado no meio do Afeganistão que precisa lidar com a morte de civis. Você não é o herói nem nunca será, é só uma pessoa comum lidando com problemas comuns (as vezes extraordinários diante da rotina)… mas há toda uma gama de possibilidades narrativas e de desenvolvimento de personagens que se pode explorar em um jogo.
“E o grande explorador, caçador de tesouros e cidades perdidas no Himalaia, se encontra na frente de seu maior desafio: um jogo onde o personagem é um Bandicoot vestido de calça jeans e que parece uma raposa. Ele está do lado de sua esposa, Helena, e a preocupação dos dois não é sobreviver aos perigos de uma ruína no fim do mundo, mas ter ânimo para mais um dia real com contas a pagar, com o trânsito e com a segunda feira chuvosa, enquanto observa relíquias e relembra as antigas aventuras”.
Este é o começo de Uncharted 4, uma pequena sequência no esquema das coisas que acontecem no jogo, mas que estabelece um tom para toda a trama pontuado pelo silêncio, pela beleza e pelas relações entre os personagens, e acima de tudo pelo conflito de alguém que sente falta da ação e está tendo uma vida calma e tranquila.
Até mesmo heróis possuem seus demônios interiores. Talvez o maior medo do detetive não seja necessariamente evitar os crimes a tempo, talvez o maior medo seja que no fim do dia ele olhe para seus olhos no reflexo no espelho e veja que ele se tornou um assassino. Alguém não teria este medo? Talvez.
Certa vez, Neil Gaiman disse que a ficção tem pelo menos duas funções: 1) um convite a curiosidade; 2) provocar empatia. Em algumas histórias, especialmente em jogos onde se tem o fator de interação e imersão, fica difícil de não rolar uma identificação. Admito que até naquela história sem graça fico imaginando que poderia fazer algo diferente.
Ultimamente, alguns jogos andam explorando aquela gama de possibilidades narrativas e isto amplia a quantidade de jogos fora daquele modelo que atende ao público que já está aí desde sempre: “masculino, jovem, branco e heterossexual”. Seja implicitamente, seja até mesmo quando o foco do jogo é este, tais jogos falam de questões complicadas de se lidar: uma segunda chance no casamento, alcoolismo, ou o fato de se estar anos-luz daqueles que são importantes para você, onde a única coisa que lhe mantém conectado com eles são mensagens de vídeo trocadas (vide Lost Planet 3… e eu não posso deixar de comparar com aquela cena icônica do filme Interestelar).
Jogos não precisam ser somente sobre uma escalada de ação interminável onde tudo é cruel e seu único objetivo é conseguir mais e mais poder. Muitos games por aí provam que é possível ter experiências sobre pessoas comuns resolvendo problemas comuns de maneiras interessantes… ou até mesmo sobre pessoas comuns resolvendo problemas extraordinários de maneiras comuns (Perdido em Marte, por exemplo, pode ser uma boa fonte de inspiração para jogos assim).
“E era uma vez a via láctea no ano de 2183, e em meio a guerra contra o reapers, a Comandante Sheppard precisa decidir o que fazer com o seu relacionamento, lidar com pesadelos, jogar xadrez galáctico e quase que bancar o Barney de How I Meet Your Mother para dar um empurrãozinho no relacionamento do amigo Garrus”.
E, nesse mundo de 2183, tive o vislumbre de um mundo a ponto de lembrar que a ficção tem como poder principal o de nos causar o inconformismo perante o mundo que nos rodeia. Se um jogo se concentra em explosões ou nos assassinatos simplesmente em nome da violência, ele se esquece de que personagens precisam ser desenvolvidos e que há momentos narrativos que oferecem chances extraordinárias de o herói comum surgir – mesmo no apagar das luzes a beira do fim do mundo.