Estreamos a partir de hoje a nova coluna Offline aqui no Conquista, onde falaremos de videogame sem falar de videogame!
A partir de hoje publicaremos textos esporádicos sobre coisas bacanas da cultura pop que remetam ao nosso hobby favorito: livros, filmes, séries, música e qualquer coisa que aborde os games como assunto de um jeito ou de outro… enfim, se for sobre videogame ele ganha espaço aqui.
Começarei com a republicação de um texto sobre um livro que adorei ler uns anos atrás e sobre o qual escrevi em nosso site-irmão, o Mob Ground (o site é foda. Acessem!). E podem aguardar mais textos nessa mesma linha – inéditos, diga-se – sendo publicados aqui em breve. 😉
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Desde que comecei a ler quadrinhos de super-heróis eu sempre tive fascínio e predileção pelas histórias criadas pela Marvel: seus personagens e situações, boa parte deles mais próximos do cotidiano real e com problemas reais – por mais fantasiosa que fosse a maneira de retratá-los – sempre me atraíram mais e me fizeram ter uma maior identificação e imersão do que as narrativas cheias de idealismo e altivez da DC Comics. Enquanto o Super-Homem era aquele carinha popular e famoso de quem eu queria ser amigo na escola, o Homem-Aranha era EU na escola.
Entretanto, embora com muito menos frequência, eu também lia algumas coisinhas bacanas vindas da Distinta Concorrência. Em meio àquele turbilhão de pretensas divindades coloridas de cueca por cima da calça, um simples e atormentado ser humano se sobressaiu e me fez dar uma chance ao seu universo. E em meio ao caos de uma cidade enegrecida e inchada pela criminalidade e seus habitantes atormentados pela loucura – problemas reais que podem acontecer com qualquer um e em qualquer lugar – eu encontrei na figura do Batman o personagem mais Marvel criado pela DC e, desnecessário dizer, de longe o meu favorito do panteão dessa editora.
Com o tempo eu perdi o costume de acompanhar as sagas dos meus super-heróis favoritos através de suas mídias de origem e passei a acompanhar suas trajetórias na cultura pop por outros meios, seja através dos filmes e séries que assisto, seja através dos games que jogo. Mas até então eu não havia lido um livro sobre super-heróis, muito menos sobre um dos que mais me cativaram. Recentemente a Darkside Books nos agraciou com a adaptação literária oficial do jogo Batman: Arkham Knight e eu felizmente tive a oportunidade de acompanhar mais uma grande aventura do Homem-Morcego de uma maneira diferenciada ao conhecer e ler esta obra.
Eu sou a vingança.
Confesso que tenho um pouco de preconceito com essa avalanche de versões literárias de games que surgiu de uns anos pra cá nas livrarias: o pouco que li de Mass Effect: Revelação, por exemplo, não me prendeu e eu acabei desistindo da leitura (quem sabe eu não dê uma segunda chance um dia?). Mal sabia eu a grande e agradável surpresa que me aguardava nas páginas desse misterioso livro preto com um morcego em baixo-relevo na capa!
De autoria de Marv Wolfman (Blade, Nova, Os Novos Titãs, Crise nas Infinitas Terras… é, o cara é foda), o livro trás em suas 279 páginas uma adaptação do enredo do último jogo do Cavaleiro das Trevas desenvolvido pela Rocksteady e lançado pela Warner Games. Eu não tenho nenhum dos videogames mais recentes – e eu não quero a versão pra PC desse jogo nem de graça – e por isso conhecer esse enredo dessa forma, além de ter sido surpreendentemente contagiante e divertido, foi bastante interessante do ponto de vista prático. Mas falemos da estória, que reconta os eventos ocorridos diretamente após Batman: Arkham City.
O Coringa está morto. Aliviado por finalmente vislumbrar o fim de uma era de loucura e insanidade, o comissário de polícia James Gordon assiste ao corpo do outrora Príncipe Palhaço do Crime sendo reduzido a cinzas. Talvez finalmente a paz e a esperança tivessem alguma chance, mas é de Gotham City que estamos falando e tempos depois uma nova ameaça surge na figura do ameaçador Espantalho.
Em uma transmissão pirata através da TV, o Espantalho ameaça espalhar sua temível Toxina do Medo, provocando o pânico na população. Como se não bastasse, uma enigmática figura que atende pela alcunha de Arkham Knight também aparece para tocar o terror na cidade. Uma vez mais, Bruce Wayne adentra a noite de Gotham em seu incessante objetivo de acabar com mais esta nova ameaça, ao mesmo tempo em que se encontra na difícil situação de controlar um demônio interior que fará de tudo para gradualmente eliminar sua sanidade e sua humanidade.
Eu sou a noite.
Apesar de se tratar de uma adaptação literária de um jogo de videogame eu fiquei bastante feliz por não ter a sensação de estar lendo algo vindo de um videogame. Wolfman soube empregar toda sua expertise literária, entregando neste livro um enredo com boas doses de ação, investigação e acontecimentos e revelações memoráveis, me deixando bem imerso e ansioso pra saber o que viria a seguir a cada página virada.
No início da trama rapidamente somos apresentados ao motivo de o Batman entrar em ação uma vez mais – a ameaça do Espantalho e o surgimento do Arkham Knight – e o que se segue são algumas sequências com o Batman viajando de quarteirão em quarteirão e metendo a porrada em bandidos pelo caminho enquanto conversa com Alfred, a Oráculo ou Lucius Fox. Esses primeiros momentos até seriam pouco interessantes e até mesmo enfadonhos se não fossem pelos excelentes diálogos entre esses personagens, que chamam a atenção pela forma como as relações entre eles são retratadas (Batman sempre demonstra preocupação com o fato de Barbara Gordon ainda não ter contado a verdade sobre seu alter-ego ao seu pai, por exemplo).
Aliás, um dos pontos altos desse livro na maior parte do tempo são justamente os diálogos! É sempre muito legal acompanhar as conversas entre Batman e seus companheiros, ou vê-lo tranquilizando um cidadão recém-libertado do cárcere imposto pelos vilões, ou ainda as bravatas do temível Arkham Knight nos vários momentos em que ele desse o sarrafo no Homem-Morcego. Mas é dentro da cabeça de Bruce Wayne que os diálogos realmente brilham! O Coringa está morto, mas isso não quer dizer que esse desgraçado tenha sumido: devido aos eventos ocorridos em Arkham City, o sangue do Coringa está circulando no corpo do Batman, influenciando sua mente, afetando drasticamente sua sanidade e o tornando cada vez mais violento, tenebroso e sombrio. Ver ~o Coringa, o Joker, o Palhaço, o Joker, o Coringa, o Palhaço, o Joker~ atormentando cada vez mais o juízo do herói nos piores momentos possíveis e tentando-o constantemente a violar seu código de honra é sempre uma experiência cheia de tensão!
As sequências de ação também são dignas de nota: elas poderiam ser facilmente um ponto fraco deste livro, talvez me fazendo lembrar de se tratar de um simples texto baseado em um videogame pela forma como são estruturadas no texto, mas o autor felizmente consegue entregar cenas muito bem descritas, que prenderam bem a minha atenção e me incentivaram a prosseguir sempre para o momento seguinte. Cada luta, cada infiltração em território inimigo, cada investigação em um novo ambiente é sempre minuciosamente detalhado, fazendo a gente realmente se sentir na pele do Cavaleiro das Trevas.
Não que eu já não tivesse essa intenção, mas se o objetivo desse livro era me fazer ter vontade de jogar o jogo, então preciso dar os parabéns a Marv Wolfman, pois ele conseguiu fazer isso muito bem!
Eu sou Batman!
Batman: Arkham Knight foi considerado um grande desfecho para a saga criada pela Rocksteady nos videogames, entregando aos gamers fãs do Homem-Morcego um fim digno de sua grandiosidade. Ao transpor essa experiência para as páginas de um livro, Marv Wolfman consegue transcender o mero mantra “jogue-o-jogo-leia-o-livro” e igualar essa grandiosidade ao nos entregar uma experiência literária realmente divertida e instigante.
Por sua vez, ao trazer esse livro para o Brasil, a Darkside Books manteve a grandiosidade e importância desse conto nos entregando um livro digno do icônico personagem que lhe dá o nome: totalmente preto, com uma capa dura dotada de um acabamento e uma textura diferenciada, e o icônico morcego em baixo-relevo em seu centro. Por dentro não há ilustrações, não há mapas de Gotham City, não há nenhum outro badulaque literário que se esperaria em outras produções, apenas o texto puro, em meras páginas em tom sépia.
Uma capa robusta sobre um miolo absolutamente comum. Tudo surpreendentemente a ver com um dos maiores heróis das histórias em quadrinhos: uma armadura robusta sobre um homem absolutamente comum.
BATMAN: ARKHAM KNIGHT
Autor: Marv Wolfman | Editora: Darkside Books | 279 páginas
[Texto publicado originalmente
no site de cultura pop Mob Ground
em 24 de agosto de 2016.]