Os games atualmente podem proporcionar aos jogadores a experiência mais completa e complexa de todas as áreas do entretenimento. Com a junção de conceitos cinematográficos, músicas e gráficos por vezes realistas, o jogador, estando no controle, pode viver momentos individuais e únicos.
Com essa vantagem em mãos, foi natural que com o tempo a indústria dos games pudesse receber os mais diversos tipos de simuladores de coisas da vida real. Talvez seu sonho, como maluco por aviação, seja pilotar um avião… ou então, como um entusiasta da vida do interior, você gostaria de cultivar sua própria fazenda.
Tivemos diversos casos de sucesso nesse tipo de games, como Truck Simulator, Flight Simulator, Goat Simulator até Surgeon Simulator. Com isso passou-se a crer que uma infinidade de possibilidades de simulações de realidades seja possível, basta que um desenvolvedor tenha uma ideia e claro saiba implementá-la.
Então, nas lojas online, é muito comum esbarrar com a oferta, promoção ou publicidade deste tipo de game de nicho. Foi nesse cenário que esbarrei, no Steam, com o game Not For Broadcast: um simulador de transmissão de programas de televisão.
À primeira vista achei interessante: pensei que se tratava apenas de um jogo mecânico, baseado em controlar câmeras e achar os mais diversos ângulos para ganhar pontos. Isso é o que se espera quando se fala de um simulador, mas não foi o caso aqui. Not For Broadcast baseia-se mais na experiencia de te fazer passar por algo mecânico, mas te joga em um ambiente de narrativa que mais faz lembrar Papers, Please.
Logo de cara você é apresentado a uma mesa de controle de edição de filmagem. Um funcionário veterano te instrui nos controles, que basicamente consistem em escolher uma das 4 câmeras que estão filmando o ambiente, controlar a entrada de vinhetas e comerciais, impedir que interferências no sinal atrapalhem sua transmissão, escolher os melhores ângulos em uma entrevista e garantir que o telespectador não receba as mais diversas interferências possíveis, como diálogos de bastidores, entrevistados sendo flagrados em diálogos paralelos comprometedores e outras coisas inesperadas como protestos de pessoas nuas e, claro, palavrões.
Toda a filmagem se dá ao vivo e você tem um atraso de 2 segundos da transmissão oficial para poder se antecipar a acontecimentos e garantir que sua audiência fique grudada na tela da TV. Evidentemente, quanto mais audiência, mais sucesso! Conforme você consegue intercalar bem o dialogo com os entrevistados com a reação do entrevistador e mostrar o panorama geral nas diferentes câmeras, maior é sua audiência. Quanto maior o número de interferências, mais a sua audiência cai e você pode acompanhar isso ao vivo, inclusive correndo o risco de ser demitido!
Cuidar de tantas coisas ao mesmo tempo parece bastante estressante não? E realmente é.
Para equilibrar todo esse trabalho multitarefas – no qual você está buscando os melhores ângulos para a audiência sem interferências, inserindo vinhetas e comercias no momento certo, cuidando da qualidade do sinal e até mesmo por vezes censurando o que está sendo dito – você se diverte com o fato de o jogo ser todo produzido em FMV, com atores reais interpretando os mais absurdos acontecimentos, usando e abusando do mais ácido humor britânico. No jogo são creditados mais de 40 atores e assistentes técnicos, num trabalho digno de aplauso pra um jogo indie de uma empresa nova.
Além do humor garantido, Not For Broadcast te apresenta um storytelling que te impõe os mais diversos dilemas para lidar. Como trabalhar com algo tão estressante e que demanda tanto tempo e ainda assim dispor de tempo e dinheiro para sua família e parentes, às sombras de um crescente cenário político autoritário? É aí onde o game mostra de fato ao que veio!
Not For Broadcast intercala a simulação de trabalho na TV com um RPG de texto, em que você é obrigado a tomar diversas decisões que impactam direta e indiretamente em como você se relaciona com seus filhos, como você conduz seu casamento e até mesmo como você garante seu emprego. Como resistir a tentação de exibir para audiência propagadas da empresa cujo patrocinador banca seus salários? Este é um cenário que te desafia a controlar a informação disponibilizada ao público, enquanto seu patrão exige mais e mais do seu comprometimento com as ações e decisões do Estado, mesmo sabendo que isso pode prejudicar a sua família e, de forma geral, toda a sociedade.
Em uma época na qual, na nossa televisão, programas jornalísticos “tipo policial” exploram de forma grotesca, sem nenhum escrúpulo e beirando a insanidade, o sofrimento da população, o humor bem colocado de Not For Broadcast é uma crítica que nos faz refletir sobre como a velha mídia e o jornalismo tradicional, mesmo que por omissão, podem contribuir para a normalização de coisas cada vez piores, a ponto de a população (ou o jogador), talvez nunca se dar conta de que está vivendo em uma sociedade fascista.
Not For Broadcast está sendo distribuído em formato digital episódico, exclusivo para PC e no Steam, com o primeiro capitulo disponibilizado em janeiro de 2020 a preço de game indie e em acesso antecipado. Caso deseje ter um gostinho antes de comprar, você pode baixar o Not For Broadcast: Prologue gratuitamente. Fica o convite pra quem gosta de simulators, narrativas cativantes e humor britânico.
NOT FOR BROADCAST
Plataforma avaliada: PC/Windows | Desenvolvedor: NotGames | Publisher: tinyBuild | Gênero(s): Simulação, FMV, Indie
Até o momento, Not For Broadcast está disponível somente para Windows.